sexta-feira, 20 de março de 2015

Manoel Alexandre Gomes de Sá

A partir de meados do século XIX e início do século passado, o Cariri era uma região infestada de bandidos a serviço de potentados chefes políticos regionais, senhores de baraço e cutelo, que faziam de cada comuna um feudo, com vocação expansionista, cada qual procurando impor o seu mando sobre território de domínio político de outro caudilho, utilizando, para isso, a força bruta da cabroeira sob seu comando. Esse clima de beligerância entre os poderosos donos de terra e de gado perdurou até o conhecido “pacto dos coronéis”, firmado em 1911, com o compromisso de que nenhum chefe político poderá agredir outro chefe.
Todavia, o tratado não pôs fim às desavenças entre os chefes de facções políticas de um mesmo município. Aparente demonstração de clima de paz dissimulava, na verdade, o latente espírito de animosidade entre as partes antagônicas, podendo vir a furo a qualquer momento, por conta de velhas rixas pessoais sedimentadas ao longo dos anos. Santana do Cariri foi exemplo disso. A última escaramuça ali se dera em 1908, quando Lourenço Gomes da Silva tentou alijar pelas armas o intendente José Carlos Augusto. 18 anos depois, em nova versão, a história se repete. Dessa vez entra em cena o coronel Manuel Alexandre Gomes de Sá, que tenta depor o todo poderoso chefe político, coronel Felinto da Cruz Neves, prefeito do município, em violenta batalha, da qual participaram os dois filhos varões de Manuel Alexandre, Plácido, o primogênito, e Otacílio, o caçula, ambos ainda na menoridade.
Manuel Alexandre mantinha na fazenda Ipiranga, de sua propriedade, um verdadeiro exército de cabras armados, recrutados especialmente para dar combate ao todo poderoso coronel Felinto, a quem, por três vezes tentou, pelas armas, apear da Prefeitura. A primeira investida ocorreu no dia 12 de novembro de 1926, quando ocupou praticamente a cidade à frente de 100 homens armados. O tiroteio começou às 11 horas da manhã até as 9 da noite. Entrincheirado em sua casa-fortaleza, Felinto e seus capangas repeliram não só esta, como as duas outras investidas que se seguiram. A segunda, no dia 18, e a terceira, dois anos depois, na madrugada de 1º de outubro de 1928. Do fogo cruzado do segundo embate saiu ferido o jovem Otacílio, que faleceu dias depois. Com a morte do irmão, Plácido, sem lograr êxito, tentou várias vezes emboscar o prefeito. Disfarçado de vendedor de capim e usando chapéu de palha de abas largas, postava-se em um terreno baldio defronte da casa de Felinto, na expectativa de o prefeito assomar à porta da residência. Dentro do feixe de capim, um rifle com bala na agulha.
Concluído o mandato de Felinto à frente da Prefeitura, Manuel Alexandre se desfez da cabroeira, mudando-se, por algum tempo, para o Crato, onde mantinha uma casa de comércio, deixando as fazendas Ipiranga e Latão aos cuidados de dona Zefinha e do filho. Vez por outra, a polícia rondava a porteira da fazenda, na tentativa de prender Plácido e um capanga que sabia ali homiziado e que fora o cabra que, debaixo de fogo cerrado, carregou nos braços a Otacília quando este foi ferido. Daí a estima de Plácido para com ele. Todavia, para por fim à caçada policial, Manuel Alexandre ordenou ao filho desse cabo ele próprio do capanga. Conforme confidenciou ao amigo Celso Oliveira, em prantos executou a ordem paterna. Em seguida, apresentou-se à polícia. Recolhido à cadeia do Crato, ali passou a cumprir a pena a que, tempo depois, fora condenado pelo Júri. Na prisão se fez amigo do carcereiro Militão, que lhe permitia saísse todos os dias para almoçar na casa de Celso, que morava em um sobrado a poucos metros da cadeia.
Num desses dias, arquitetou fugir. Na data aprazada, um cavalo encilhado o aguardava no Alto do Seminário. O prato de comida repousava sobre a mesa, para mostrar a Militão que o preso não comparecera para o almoço. Plácido seguiu na direção do Piauí. Em Teresina, procurou o Chefe de Polícia, amigo de seu pai, a fim de obter um salvo conduto. Prosseguir na fuga foi o conselho, pois já havia um telegrama pedindo a sua captura. Temendo a mobilização da polícia dos Estados nordestinos em seu encalço, foi dar com os costados no Rio Grande do Sul. Com o nome falso de Oswaldo Ribeiro de Alencar, alistou-se na Brigada Militar, onde fez carreira, destacando-se pela coragem e bravura com que se houve nas escaramuças da Revolução de 30 e da Revolução Constitucionalista de 32, o que fez dele respeitado membro da corporação. As cartas a sua mãe, dona Zefinha, que morava na Fazenda Ipiranga, tinham “Oswaldo” como remetente e eram endereçadas a Celso, que, caixeiro viajante das Casas Pernambucanas, viajava todo mês a Santana, levando a correspondência.
Certo dia, chamado à presença do general Flores da Cunha, de quem se fizera amigo, recebeu do velho caudilho a notícia-bomba de que já não era segredo a sua falsa identidade, bem assim os motivos que o levaram à clandestinidade. Assegurou-lhe, porém, que nada disso o faria desmerecedor da sua amizade, passando a admirá-lo mais ainda, ao relembrar o episódio da prisão de um general, efetuada com audácia e muita coragem pelo cearense, na Revolução Constitucionalista, quando nenhum oficial de igual patente se dispôs fazê-lo. Aconselhou-o, então, reassumir a partir daí sua verdadeira identidade. A informação sobre a sua vida pregressa, que teria sido repassada a Flores da Cunha por um deputado federal pelo Ceará, não tardou chegar à redação de um jornal de Porto Alegre, que, noticiando o fato, a ele se referiu como perigoso pistoleiro foragido da justiça do Ceará. Plácido procurou o diretor do jornal e deu, para bom entendedor, o seguinte recado: “Se sair alguma coisa mais a meu respeito, lhe garanto que vou ter de mudar de nome novamente”.
Ancorado na amizade e no prestígio de Flores da Cunha, Plácido Gomes de Sá galgou rapidamente alguns postos na corporação, chegando, inclusive, ao de subcomandante, quando, representando a Brigada, participou no Ceará de um encontro de Policias Militares. Em Fortaleza, foi recebido pelo coronel Leite Furtado, surpreso ao saber tratar-se ali do antigo fugitivo da cadeia do Crato a quem, à frente de uma volante, tentara recapturar.
Em meados dos anos 40, reformado no posto de Capitão, Plácido retorna ao Cariri, passando a residir no Crato, com a mulher Ermelinda e os filhos Irajá e Juarez. Em 1950 se elege prefeito de Santana pela UDN, disputando o cargo com Hercílio Cruz, do PSD, sobrinho de Felinto da Cruz Neves, assassinado em março de 1936. Na noite de 18 de setembro de 1951, ao adentrar o prédio onde morava com a mulher e os filhos, Plácido é emboscado por um pistoleiro que dispara contra ele pelas costas vários tiros de revólver. Na véspera de sua morte, ocorrida dois dias após os disparos, e ainda consciente, aponta ao filho adotivo, Aparício, como responsáveis pelo atentado os políticos Wilson Gonçalves, Enoque Rodrigues e Antônio Pereira (Catingueira). Tempos depois, Enoque e Catingueira são assassinados não se sabe por quem.
Por decreto do Governo gaúcho, Plácido foi promovido post mortem à patente de Major.

(*) José Jézer de Oliveira (Crato), jornalista, ex-presidente da Casa do Ceará.

Fonte: www.casadoceara.org.br

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